Sobre a igreja






Chega de Igreja!





Agora, chega de Igreja; ela não merece mais tanta atenção; os tempos mudaram; as exigências e os desafios já são outros. Os dinossauros e toda sua espécie foram extintos da face da terra ? provavelmente, porque não conseguiram se adaptar a um clima diferente, preferiram a mesmice, e a natureza se libertou deles. Além do mais, o corpo místico de Cristo, identidade verdadeira da Igreja, não se restringe a um mero fenômeno histórico e sociológico ? até os teólogos mais conservadores concordarão comigo. Ela está presente em todos os que crêem, buscam, fazem o certo, numa imensa comunidade anônima, variada, repleta do espírito de Deus na convivência e no diálogo. O teólogo alemão Karl Rahner teve a idéia feliz de nomeá-los de ?cristãos anônimos? ? e, por isso, foi execrado por Ratzinger após sua morte, quando não podia mais defender-se.
Temos coisas mais intrigantes para tratar ? da beleza, dos dons do espírito em sua riqueza e variedade, e da responsabilidade que temos para com eles em favor do bem de todos.
Beleza e pedofilia ? Tratemos da beleza da música, de lindas mulheres e belos rapazes, da natureza, de tudo aquilo que provoca nosso encanto, que nos convence, sem as tentativas de persuasão que sempre são imorais. Chegamos ao ápice da vida quando um livro prende nossa atenção, um quadro de arte nos fascina para contemplá-lo, quando uma música nos faz chorar, no amor em seu clímax. Por que o carnaval da Bahia não pode ser um sacramento inesperado? Por que faz-nos experimentar uma enorme alegria? ?Mas temos que...?, já ouço alguém falar. Temos o quê? Temos que morrer, e antes disso temos o direito de experimentar a vida, encorajar os outros a levá-la, agradecer por ela. Isto sim, agradecer por aquilo que não pudemos fazer, que veio ao nosso encontro para nos enriquecer e detectar a ação de Deus nisso.
Realmente, não quero mais gastar tempo e saliva com esse gigantesco, jurássico monstro imutável, cheio de si, interessado nos seus assuntos prediletos. Se não quer mudar, deixe ? os tempos irão julgá-lo, e também sua falta de responsabilidade com os outros. Mas esta sentença será condenatória, pois a Igreja possuía todo o poder de mídia para salvar este mundo, também da previsível catástrofe ecológica, mas preferiu namorar com seus probleminhas internos. O maior vilão da história? Quem sabe.
E, segundo a mais recente, Ratzinger mandou acobertar os casos de pedofilia cometidos por padres junto aos bispos durante 20 anos. Que ética Sua Santidade tem? Favorecer interesses próprios? Orientar seus seguidores? ?Não se ama nem se pode falar de amor quando se abusa sexualmente de menores? (Almodóvar, Má Educação) ? ainda menos do amor de Deus. Pedofilia é crime, um mal intrínseco em todas as culturas. As conseqüências são sempre desastrosas para as vítimas, e deveriam ser para estes criminosos também. Nas cadeias, os estupradores costumam ser ?checados?. A lei do talião prevê uma justiça não-vingativa, mas corretiva. ?Se alguém sofrer o mesmo que cometeu, então teremos a justiça feita?, escreve Aristóteles na Ética a Nicomaco, tendo-se adiantado numa citação de Theognis: ?Nem Febo (deusa do amanhecer) nem Aurora (deusa do anoitecer) atingem a Justiça no esplendor da sua beleza?.
Daí, qualquer credibilidade da Igreja em seus representantes oficiais esvaneceu-se, e, que seja no século 21, sem a mínima chance de recuperação. Diante de tamanho desmando, cada um dos que se dizem fiéis, até o menos preparado, deve sentir o arrepio necessário para começar a pensar com sua própria cabeça, a refletir sobre o que quer e o que condena, aguçar sua razão e seu juízo, iluminados pelo espírito de Deus, que recebeu pelo batismo para reforçar seus dons naturais (Tomás de Aquino) e julgar segundo a eqüidade e a justiça. Ninguém mais pode se desculpar, ninguém. Não há mais subterfúgio, nem no tal do obséquio da fé.
Verdade e liberdade ? Como ex-integrante do clero, sei de muitas coisas que nunca revelarei: o sigilo confessional continua sagrado para mim. Mas um tamanho escândalo de falta de responsabilidade, de uma imoralidade sem meta e sem respeito ao ser humano em sua fragilidade em função da manutenção do poder, eu nunca, nunca esperava. Em 1294, o papa Celestino V, ao aperceber-se da sua falta de preparo intelectual, jurídico e diplomático para seu cargo, teve a grandeza de renunciar ao trono papal. E se a falta é de preparo moral?
Chega! Vou me converter, isto sim, para longe de qualquer Igreja, atraído pela beleza, o encanto, o fascínio maior, tudo aquilo que provoca a minha mais profunda gratidão. Vou reaprender a sensibilidade, ouvir mais, dialogar ? sentir a riqueza que os outros são para mim. Vou aprender a doar sem esperar retorno. Vou descobrir os planos de Deus para mim, sua presença, aprender a ser grato a um Deus que não fica preso a dogmas e verdades perpétuas. Quero aprender a viver. Não foi a vida em plenitude que o Cristo nos prometeu? Daí, sem Igreja nenhuma, serei mais cristão do que antes. ?Não se esqueçam que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo?, escreveu Paulo. ?Portanto, glorifiquem Deus em vosso corpo.? Está na hora de fazer isso.
Sei que muitos respirarão fundo ao ler isso ? ?Finalmente...?. Mas não será fácil assim. Não pretendo me calar. Vou levantar a voz sempre quando achar necessário. Não vou soltar o chicote. Há coisas que têm que ser ditas, e eu o farei. Ser incômodo faz parte de mim, conforme um orientador competente. Só o foco será diferente. Qual? Deus revelá-lo-á. ?A verdade vos libertará? é a promessa eterna do Cristo. Então, se algo se libertar das prisões amontoadas na cabeça, abrir novos caminhos, seu Espírito estará presente, atuante, imprevisível.
?Eu vos darei pastores conforme o meu coração, que vos guiarão com conhecimento e prudência?, diz o Senhor em Jeremias 3, 15.
Pelos seus frutos os conhecereis, diz o Evangelho.

RALPH ROMAN K. GNISS é professor da Universidade Federal de Goiás. Correio eletrônico: rgniss@cultura.com.br

Comentários