A crise do capitalismo chegou à Bolívia

A crise do capitalismo vai afetar a Bolívia. Na verdade, já está afetando. Esta é a conclusão dos economistas ouvidos pela reportagem. A economia, essencialmente primária e exportadora de matérias-primas, já sofre com os efeitos da queda do preço dos minérios, sobretudo o zinco, que perdeu metade do valor no último ano. Na ponta, sofrerão os trabalhadores que perderão seus empregos – postos que o governo luta para salvar.


Na avaliação do economista Carlos Arze, pesquisador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento Laboral e Agrário (Cedla), trata-se de uma crise provocada pela aplicação intensiva do receituário neoliberal. “Primeiro, temos que entender que essa crise é expressão de uma crise ainda mais profunda, típica do capitalismo, cíclica. Mas agravada porque vem combinada com outras crises: alimentícia, ambiental etc. Ela acumula o efeito de muitos anos de um capitalismo parasitário, especulativo, que vigora desde a década de 1980, de geração de capital fictício, que não tem correlação com a produção real”, analisa.


Arze acredita que os efeitos dessa crise sobre o povo boliviano serão intensos, pois trata-se de um país integrado à economia global. “No caso da Bolívia, que depende basicamente da exportação de matérias primas, o impacto será bem sentido. Somos, como a maioria dos países da América do Sul, bem abertos. Estamos ‘globalizados’. O investimento estrangeiro direto vem caindo há vários anos. E com a crise será ainda menor, porque as empresas estão quebrando ou com restrições, avalia.


Impactos

Outro aspecto ressaltado por Arze é a queda nas remessas de dinheiro feitas por bolivianos que vivem no exterior. Segundo o pesquisador, esses imigrantes injetam na economia boliviana cerca de 1,3 bilhão de dólares, cerca de 10% do PIB. “Eles trabalham, sobretudo, no setor de construção, na Espanha. Mas se a crise está sendo sentida na Europa, sobretudo no setor imobiliário, eles podem perder seu emprego e retornar”, engrossando assim o desemprego no país.


Por outro lado, ele afirma que a reduzida presença do sistema financeiro no país pode atenuar os impactos. “A Bolívia não tem um setor financeiro-econômico ligado às finanças mundiais como, no caso, o Brasil. Aqui, esse segmento é muito pequeno e não tem serviços nem atividades junto ao mercado internacional. A presença do capital financeiro especulativo, de carteira, é reduzidíssimo. Isso faz com que o impacto não se sinta por esse aspecto”, explica o pesquisador.


Alternativa

Por fim, o economista afirma que é um erro investir tanto em exportações e que uma boa saída para a crise seria investir no mercado interno. Neste ponto, a avaliação de Arze coincide com a opinião do vice-ministro de Planificação e Desenvolvimento. O também economista Abrahan Pérez acredita que o aprofundamento das relações econômicas da Bolívia com as economias emergentes pode funcionar como uma espécie de salvaguarda durante o período de crise.


Durante entrevista ao Brasil de Fato, ele citou sobretudo Brasil e Argentina, além da China e outros países asiáticos como compradores das matérias primas bolivianas. De modo que o governo aposta na decisão destas economias em privilegiar a aquisição desses produtos primários exportados pela Bolívia. “Há que ver com muito interesse o desenvolvimento da economia emergente latino-americano. Nós estamos bastante atentos a esse assunto.


Portanto, se aumenta a demanda de minerais, que são matérias primas, há uma recuperação de preço dos minerais que nos permitiria ter o excedente para utilizar e transformar no nosso próprio padrão de acumulação, nosso estilo de desenvolvimento, (e empreender) um modelo distinto do que foi aplicado durante 20 anos, no neoliberalismo”, afirma.

Comentários