A reafirmação da institucionalização do medo


“Polícia prende nove jovens suspeitos de traficar drogas no Rio”: “Nove jovens
de classe média alta, suspeitos de traficar ecstasy, LSD, cocaína, maconha,
crack e haxixe na zona sul do Rio, foram presos na manhã desta quinta-feira por
agentes da DCOD (Delegacia de Combate às Drogas). Uma adolescente de 17 anos
também foi apreendida. A maior parte das prisões foi realizada em endereços
nobres da zona sul e um dos integrantes, estudante de design industrial, foi
algemado dentro da Universidade Estácio de Sá, no campus Uruguaiana, no centro”.
Como podemos observar o tratamento dado pela reportagem, aos suspeitos, segue o
princípio jornalístico da imparcialidade, no qual os envolvidos são definidos
como, jovens, adolescentes, estudantes e suspeitos. Não é preciso pesquisar
muito para encontrarmos nas reportagens, das mesmas páginas policiais,
abordagens distintas da oferecida do exemplo acima. “Rodrigo André Gouveia da
Silva, de 18 anos e um outro homem, pardo, não-identificado, aparentando
aproximadamente 25 anos, chegaram mortos na unidade médica, com diversas
perfurações de balas no corpo”. Devemos apontar a falta de contextualização, a
descrição sutilmente pré-conceituosa e quase que como justificativa as inúmeras
perfurações a balas da vítima.Notadamente os meios de comunicação de massa
utilizam-se de técnicas persuasivas com a intenção de produzir subjetividades, a
isso não temos mais equívocos ou indefinições. Entretanto, para elucidarmos
ainda mais essa tendência, vamos relembrar a cobertura jornalística dos Jogos
PanAmericanos do Rio de Janeiro, atentem para o fato de ser um evento esportivo,
mas que veremos o quanto é intencionada à posição política e ideológica da
emissora.No dia em que a delegação cubana deixou a vila do Pan em um sábado à
noite a Rede Globo com duas equipes ao vivo, uma na Vila do Pan e outra no
aeroporto do Galeão, mostrava os atletas voltando para Cuba, enquanto o repórter
informava ao público que toda a delegação estava indo embora, por ordem do
governo, porque no dia seguinte haveria uma "defecção em massa". Durante toda a
reportagem a situação foi alardeada pela alcunha de: a "debandada" da equipe
cubana.Na ânsia de se aproveitar de um simples equívoco da delegação cubana(não
ter deixado alguns atletas do vôlei para receber as medalhas de bronze) e da
defecção de três atletas (numa delegação de 520) a emissora se precipitou, para
não dizer, mentiu descaradamente e acabou pautando toda a imprensa no dia
seguinte.Outro caso igualmente espetacular foi a da libertação da ex-senadora
Ingrid Bittencourt pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, no Bom
Brasil do dia seguinte, o apresentador se referiu ao grupo diversas vezes como:
terroristas ou narcoguerilheiros, cometendo inclusive, com essa contração de
palavras, uma incoerência conceitual.Durante a campanha às eleições municipais
do Rio de Janeiro, a principal pauta da programação jornalística foi a
preocupação com a segurança das eleições. As autoridades afirmavam que não
haveria perigo para as populações de áreas dominadas pelas milícias, traficantes
ou ambos. Entretanto, tomamos conhecimento de que as ameaças feitas por esses
segmentos foram diária. Abertamente afirmam que caso seus candidatos não fossem
eleitos “a comunidade é que iria pagar e pagar caro”. Sabemos o que eles querem
dizer com “pagar caro”, o que parece que as autoridades e os meios de
comunicação de massa não sabem é que apesar do voto ser secreto, a divulgação do
resultado das urnas é pública e amplamente divulgado. Ou seja, caso seus
representante não registrassem votação significativa nas zonas eleitorais que
abrangem essa ou aquela comunidade dominadas pelo medo, a carnificina seria
iminente.A recorrência de notícias vinculadas diariamente, envolvendo situações
de violência contra as populações pobres, é alarmante. No entanto, a sociedade
encara a ocupação militar, as investidas durante a noite da polícia militar, as
incursões do caveirão, enfim, a utilização de métodos e instrumentos truculentos
de maneira naturalizada. Se for fato que nessas localidades há bandidos, também
é fato que além de a grande maioria ser de cidadãos, apenas cidadãos e de terem
seus direitos violados sistematicamente, o único braço representativo do Estado
presente nessas áreas é o do aparato repressivo. Tanto as classes médias, quanto
os meios de comunicação de massa, interpretam a truculência policial como
necessária para a manutenção do controle, não se preocupam que, uma vez
instituída essas ações punitivas, tornar-se-ão irregulavéis, a criatura pode se
voltar contra o criador. A tática de tortura utilizada pelo BOPE, auto
denominado Tropa de Elite, para reprimir o tráfico de drogas nas localidades
pobres, além de ser ineficaz, serve prioritariamente para oprimir e espalhar o
medo entre os cidadãos das comunidades empobrecidas. Também não podemos deixar
de sinalizar que tanto para o cidadão comum, como para os meios de comunicação
de massa e para as autoridades o “veículo de guerra" (equipamento policial)
vulgarmente conhecido por caveirão, codinome cuidadosamente escolhido, já se
consolidou, sendo este um símbolo historicamente associado à morte, medo, terror
e extermínio.Mas quando achávamos que já tínhamos visto o máximo de investimento
em armamentos, técnicas e instrumentos de tortura coletiva, o governo do Estado
do Rio de Janeiro inaugura uma frota de caveirões, cujas chamadas jornalísticas
exaltam as novas qualidades do veículo, como por exemplo, a publicada em O Globo
em 28/08/2008: “O novo caveirão da polícia: mais resistente, com ar-condicionado
e pronto para derrubar barricadas”. E segue a lógica de que esse tipo de aparato
policial é um avanço para a segurança pública. “Os pára-choques são mais
resistentes, perfeitos para derrubar barricadas. A capacidade é para 20 homens,
oito a mais que o antigo, e suporta um peso total de 15 toneladas. E vem com
ar-condicionado, macas e protetor de pescoço para resgates. Os nove novos
veículos blindados da secretaria de Segurança Pública, o famoso caveirão, foram
adquiridos por R$ 360 mil cada um, sete para a Polícia Militar e dois para a
Polícia Civil”. Para o comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais
da Polícia Militar (Bope) Alberto Pinheiro Neto, o novo caveirão atende as
necessidades do dia-a-dia da polícia: - “Ao longo dos anos utilizamos os
blindados nas mais diversas situações. Por isso, constatamos a necessidade de
adquirirmos viaturas com equipamentos e acessórios específicos que atendam as
exigências técnicas e táticas das ações operacionais em áreas de alto risco”.
Pelo novo aspecto e design, e se o objetivo é derrubar qualquer obstáculo a sua
frente, não temos dúvidas de que o criador do pequeno mostrengo conseguiu além
do já tradicional sistema de som, que ecoa terror quando entra nas localidades
pobres, como impõem e espalha ainda mais medo entre os moradores dessas
comunidades, derrubando inclusive a capacidade de se rebelar, de se indignar, de
resistência e principalmente minando a disposição a insurgência para encontrar
novos modos de vida.

Autor: Dayse Dudley Publicado em: 04/11/2008

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