AO MEU AVÔ




Gostaria de iniciar minha participação no blog falando sobre algo que muito me instiga... que foi a vida e a militância do meu avô. Quero deixar claro que são lembranças minhas, falo por mim, não pela minha família, quero simplesmente expressar o que sei sobre um homem que foi analfabeto e professor, que foi espelho para alguns políticos de Alegrete e que gostam de falar que conheceram o BOMBACH, e que hoje em dia, com as comodidades e conivências partidárias, traem o que ele transmitiu, mesmo vivendo em uma cidade que conserva até hoje a manutenção de uma política que contempla a diferença social e da exploração do homem pelo homem, a cidade em que o pronome de tratamento designa sua classe social, e não seu real valor, mas gosto de saber que a rua que leva o nome do meu vô, faz divisa com um bairro que tem o nome do índio “Sepé Tiaraju”, um revolucionário do seu tempo, que lutou até a morte contra a exploração de sua raça, bairro este que foi ocupado, onde através de uma invasão se fez a divisão da terra, num raro momento de lucidez social da nossa cidade.




Estava deitado no chão de tábua, assistindo “Os trapalhões”, em uma TV preto e branco daquelas pequenas, amarela, com pedestal..., minha mãe estava na sala comigo, quando meu tio “FIO”, chega de bicicleta, avisando sobre a morte do meu avô materno. Lembro do choro e do desespero da minha mãe e meio sem saber o que tinha acontecido chorava também, lembro também que não deixaram ir ao velório que ocorreu na capela da Santa Casa, mas no sepultamento eu fui... lembro que fui ao lado do caixão, e que tinha muita gente... Lembro do prefeito Nilo, políticos da época, mas o que mais me marcou naquele dia foi um pedaço de tijolo que o pedreiro quebrou para fechar a sepultura, fiquei muito tempo com este tijolo.... era 06 de dezembro de 1988.
Esta é a lembrança mais latente que tenho do meu vô, só superada pela recordação da barba rala dele roçando meu rosto ao me abraçar... Convivi muito pouco com ele, mas sua presença na minha vida é constante... lembro da criação de coelhos que ele tinha, da horta grande e bem cuidada, com vários saquinhos para afastar os bichos, diziam que ele criava os coelhos para fazer sopão comunitário, para distribuir à comunidade da Prado. A casa era simples assim como ele, ah.. ele tinha uma caturra também, e o Mirabo (um vira lata preto e branco), freqüentemente ia com meus pais passar o domingo lá na vila Prado. Bons tempos, jogava bola com os guris da vila.
Tinha 09 anos em 88 quando ele faleceu, e tive a dimensão do que ele tinha sido somente aos 14 anos. Desde lá a figura do homem TIMÓTEO BOMBACH me fascina, antes lembrava apenas do meu avô.
Minha avó lembra mais da prisão, de quando ia com os filhos visitar ele no quartel, levava minha mãe pelo braço e meu tio no colo o resto levava as sacolas com bolo, mas diz que meu avô nunca comentava sobre as torturas sofridas, ela só via as marcas, fala também da falta de noticias quando das transferências para Bagé e Porto Alegre no DOPS, lembra da dificuldade de criar sozinha 09 filhos, e do preconceito dos vizinhos e da sociedade por ter um marido preso político, fala de quando os militares fecharam a rua com jipes e que de armas em punho invadiram sua casa atrás de livros e objetos “subversivos”, conta que quando vieram pra cidade, meu avô abriu um pequeno armazém onde vendia basicamente alimentos, mas que não deu certo, pois ele não vendia, mas sim, dava os mantimentos para os necessitados...
Questiono meu pai sobre ele, me passa histórias de luta do meu avô, fala com respeito e admiração, gosta de falar sobre um espeto de churrasco, que temos até hoje, e que foi com ele que meu avô assou uma carne em Porto Alegre, para LUIS CARLOS PRESTES, em uma reunião do PCB; fala da ficha partidária abonada pelo OLIVIO DUTRA no PT, e das reuniões de formação política, em que os jovens alegretenses iam sentar para escutar o velho. Ultimamente, divergimos sobre a criação em 2007 do Centro de Formação Política TIMÓTEO BOMBACH no PMDB de Alegrete.
Outra fonte valiosíssima de informação são os diálogos que tenho com o professor ZECA GRISA, no qual me conta fatos que ele viveu e aprendeu ao lado de meu avô. O Grillo diz que o Zeca sabe até hoje todos os quase 80 votos que meu avô teve quando foi candidato a vereador, acho difícil, sinto que o Zeca admira até hoje a figura dele, soube através dele que quando meu avô estava passando por necessidades, havia uma discussão sobre uma posição política de apoio a um candidato em Alegrete, e que um companheiro com posses levou uma carne para ele, e que neste ato houve um rompimento de relação, pois ficou ofendido ao achar que um pedaço de carne iria corromper seus ideais. O Zeca e o Rui Neves me disseram que estão lançando um livro com biografias de Comunistas do Rio Grande do Sul, em que consta a figura do meu avô. Conversando com o Zeca penso que as siglas mudaram com o tempo, no começo com o PCB que após caiu na clandestinidade, também por restrições políticas no caso da ditadura, onde a única via era o MDB, ou na expectativa de uma real mudança com o surgimento do PT no inicio dos anos 80. Mas mesmo com estas mudanças meu avô nunca mudou... sempre foi COMUNISTA.

Abaixo segue o link de “pra dizer que não falei das flores – Geraldo Vandré” uma música que sinceramente não sei se meu avô gostava, mas sempre que escuto, sinto o que ele viveu principalmente quando diz “pelos campos há fome ... em grandes plantações”, sei através de minha mãe que ele gostava de “Coração de Estudante” do Milton Nascimento. Também segue uma Síntese Biográfica de TIMÓTEO BOMBACH, escrita pelo meu tio Leonel, que foi utilizada em uma ação indenizatória para as famílias de presos e desaparecidos políticos na época da ditadura militar, e que resume a história de um homem com princípios, e que sempre viveu acreditando em uma sociedade justa e igualitária.


Márcio Mombach









TIMÓTEO BOMBACH - (síntese biográfica)


TIMÓTEO BOMBACH nasceu na cidade de São Francisco de Assis, no dia 30 de agosto de 1921, filho de MARIA CÂNDIDA BOMBACH.
Oriundo de uma humilde família camponesa, desde cedo aprendeu a conviver com a dura realidade do campo e sua estrutura de exploração.
Pela necessidade de sobrevivência, trabalhou em diversos estabelecimentos rurais, como “peão de estância”, “plantador”, “alambrador” entre outros.
A maior parte de sua infância e adolescência viveu trabalhando na estância do Sr. RAMÃO TEIXERA, na localidade do Ibirocaí, no município de Uruguaiana.
Não teve oportunidade de freqüentar escola, mas devido ao seu grande interesse em aprender, foi alfabetizado pelo seu próprio patrão que juntamente com o seu filho ANTENOR TEXERA, e seu sobrinho TELMO MARENGO, lhe oportunizaram o contato com o mundo dos livros, o que era um privilegio na época, contribuindo decisivamente para a sua formação política, com destaque para obras de cunho político.
Em 08.01.46, casou-se com ILZA PAZ BOMBACH, com a qual teve nove filhos de nome IONE, IVONE, NELZA, ZILA, ZENI, GELCI, DIMORVAM, CLIMORVAM e LEONEL.
Insatisfeito com o ambiente agrário em que vivia, resolveu vir para Alegrete, na expectativa de dar uma vida melhor a sua família e oportunizá-los a estudarem, mas não demorou muito, para constatar que a vida na cidade era tanto ou mais dura que a vida no campo.
Passou então a engajar-se na luta por mudanças sociais, ingressando nas fileiras do Partindo Comunista Brasileiro (PCB) e intensificando a luta pela reforma agrária.
Do seu segundo matrimonio com MARIA HELENA RIOS FERREIRA, tiveram cinco filhos de nome VALCIR, JANE, GECI, ALESSANDRA e WOLMER.


ATIVIDADE SINDICAL

Valendo-se do seu carisma e liderança, começou a conscientizar os companheiros trabalhadores para a necessidade de se organizarem, contribuindo assim, para a fundação de diversas associações e sindicatos de classe, dentre as quais podemos destacar.
• Fundador da 1ª Associação de trabalhadores de Alegrete no ano de 1954, tendo sido seu vice presidente em 1959 e seu presidente em 1960.
• Foi fundador do Sindicato dos Metalúrgicos de Alegrete em 1959.
• Fundador do Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil de Alegrete no ano 1959.
• Fundou a Associação dos Trabalhadores Sem Terra de Alegrete no ano de 1962, tendo sido seu presidente de 62 a 64, com destaque para a ocupação das terras da “Barragem”, localizadas no Caverá.
• Foi fundador e primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Lavoura, Pecuária e Similares de Alegrete, no ano de 1963.
• Participou do congresso da fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), sendo delegado do Rio Grande do Sul.
• Foi fundador da UABA (União das Associações de Bairros de Alegrete) e também esteve à frente da Associação dos Moradores da Vila Prado, onde residia.


PRESEGUIÇÃO POLITICA


Com o advento do Golpe Militar de 64, TIMOTEO BOMBACH, passou a ser visto como um subversivo, um agitador Comunista, que atentava contra a Segurança Nacional, tendo sido perseguido, preso e torturado pelo regime militar, em diversas ocasiões.
• Em maio de 1964, foi preso no 18º RI em Porto Alegre, por praticar atividades contrárias à Segurança Nacional.
• No mesmo ano foi transferido para a Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) em Porto Alegre.
• Em julho de 1969, foi indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM), e recolhido ao 12º Batalhão de Engenharia e Combate (12º BE Cmb) em Alegrete, também por suspeição de participação em atividades contrarias a Segurança Nacional.
• Respondeu IPM na 2ª Auditoria da 3ª CJM sediada em Bagé/RS – processo nº 08/66, por estar incurso nas sanções do Art. 23 do DL nº 314/67.
• Por diversas vezes, foi obrigado a comparecer na Delegacia de Policia em Alegrete, para assinar uma espécie de “livro ponto”, utilizado pelo regime, para controlar os elementos tido como “subversivos”.
• Teve a sua residência por diversas por diversas vezes violada por forças militares, que buscavam documentos que comprovassem a sua ligação com atividades subversivas.
As constantes perseguições políticas e as sucessivas prisões foram momentos muito difíceis para a família BOMBACH, que por muitas vezes passou privações materiais, que felizmente foram amenizadas com a ajuda recebida de setores da IGREJA METODISTA de Alegrete e de companheiros simpatizantes da causa, que contribuíam com donativos e alimentos.


A MILITANCIA PARTIDARIA


Timóteo Bombach atuava mais nas frentes de massa, porém não abdicou da luta institucional, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro – PCB, tornando-se um dos Comunistas mais atuantes de nossa cidade.
Em função do golpe militar e o advento do Bipartidarismo, ingressou no então MDB, ÙNICA sigla de oposição permitida pela Ditadura Militar.
Com o inicio do processo de redemocratização e o pluripartidarismo, ajudou a fundar o PT – Partido dos Trabalhadores em Alegrete, no inicio dos anos 80, tendo a sua ficha de filiação sido abonada na época pelo ex-governador OLIVIO DUTRA.
A sua experiência política, foi decisiva para a formação política de muitos jovens, que hoje se destacam como vereadores e dirigentes políticos em nossa cidade.
O gosto pela leitura e afinidade ideológica proporcionaram uma grande amizade com o poeta Alegretense LACY OSÓRIO, tendo este, no ano de 1984, lhe prestado uma homenagem em seu livro Jornal Mural, editora Movimento, com o poema “O PLANTADOR”.
Já doente e um tanto desiludido com a política brasileira, passou seus últimos anos de vida dedicada à leitura e a formação política dos mais jovens, vindo a falecer por insuficiência cardíaca no dia 06.12.88, deixando um grande vazio na esquerda Alegretense.
Após o seu falecimento, foi homenageado com a colocação de seu nome em uma rua localizada no loteamento “Vila Grande”, e no mês de setembro de 1999, a sua família recebeu em uma homenagem do Poder Legislativo, o Certificado “TEOTÔNIO VILELA – MILITANTE PELA DEMOCRACIA”, em comemoração aos vinte anos da Lei que deu anistia aos presos políticos e permitiu a volta de companheiros exilados.

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